Romanos 14:1-23/15:1-13 Nesta passagem temos matéria para falar de vários assuntos, mas a escolha desta passagem serviu apenas de pretexto para o que vos quero falar, que tendo que ver com o texto, não terá tanto a ver com o assunto aqui tratado.
A origem que levou o apóstolo Paulo a escrever estes 2 capítulos de Romanos, deveu-se a ter surgido naquela igreja diferenças de opinião e alguma polémica sobre o que se devia ou não devia comer e sobre certos dias mais especiais, mas não é sobre isso que vou falar.
Gostaria de falar com a ajuda de Deus sobre algo que para alguns não estando aqui muito claro, na verdade foi a razão do mal estar naquela igreja.
O problema surgido naquela igreja é geral ao ser humano, como tal, diz respeito também ao crente, tanto daquele tempo como dos nossos dias.
O assunto que desejo falar tem a ver com a dificuldade que todos temos (uns mais outros menos) em aceitar as diferenças do nosso semelhante.
Iremos ver quanto prejudicial é, quando entre o povo de Deus exista um espírito de divisão, somado com a dificuldade em nos aceitarmos uns aos outros tal qual Deus nos fez, em que apesar de sermos diferentes uns dos outros, mesmo assim Deus nos escolheu.
Será que se Deus nos quisesse todos iguais e pensando da mesma forma, não nos teria criado assim? Claro que sim!
Se assim é, então o problema está em nós e não em Deus, porque se Ele nos aceitou como somos, porque razão nós tantas vezes não conseguimos aceitar o nosso irmão, só porque ele é um pouco diferente de nós?
O meu desejo depois de meditarmos sobre este assunto, é que consigamos de hoje em diante, aceitar-nos uns aos outros dentro da igreja, mesmo havendo diferenças.
Alguns estarão já a pensar que também não é bem assim, porque existem coisas que não se podem tolerar ou aceitar.
Isso é verdade. Mas nós estamos a falar de pessoas que já foram aceites por Deus como nós e será que para nós isso não é suficiente para que os aceitemos com suas diferenças? Se Deus já os aceitou, podemos nós nãos os aceitar?
Quando tratamos acerca da vida cristã e conduta espiritual, nosso padrão e modelo deve ser alinhado pelo Senhor Jesus.
Vamos começar por aqui mesmo, falando e analisando como o Senhor Jesus se comportou nesta área, dando só alguns exemplos, porque muitos mais poderiam ser dados.
Já consideramos sobre quanta diversidade havia entre os discípulos que o Senhor Jesus escolheu?
O Senhor Jesus não escolheu um grupo homogéneo, muito pelo contrário, escolheu um grupo bem diversificado.
Por vezes talvez imaginemos que os discípulos eram um grupo bem comportado e consensual, em que todos eram unânimes, sem rivalidades ou atritos, mas não é isso que se percebe quando lemos os evangelhos.
Conhecendo pelos evangelhos o carácter e temperamento de alguns deles, nós podemos imaginar João e Tiago (filhos do trovão) sempre prontos a fazer vingança pelas próprias mãos e a guerrear pela melhor posição… imaginar Pedro sempre falador dando ordens a todos “armado” em chefe, o que alguns não apreciariam muito…
Outros como o seu irmão André, tímido e reservado, muito diferente de Pedro, talvez uma pessoa sensível que se ofendia facilmente.
Vemos ainda em questão de opções politicas que havia Simão, apelidado de Zelote, isto porque era assim que se apelidavam os adeptos do partido político nacionalista que combatia e se opunha à ocupação Romana em Israel.
Podemos bem imaginar Simão debatendo política especialmente com Mateus que tinha sido colaborador do governo de Roma, cobrando impostos ainda por cima.
Era assim o grupo dos 12, constituído por homens de diferentes profissões, diferentes origens familiares, diferentes idades, personalidades e graus de cultura, etc. etc.
No entanto, eles não eram um grupo de voluntários casuais. FORAM ESCOLHIDOS POR JESUS. Jesus escolheu cada um deles, um a um sem olhar às suas diferenças.
Foi o próprio Jesus que na véspera de ir à cruz lhes disse: “Não fostes vós que me escolhestes a mim; eu vos escolhi a vós” João 15:16
Ao fazer esta escolha o Senhor Jesus os aceitou a cada um, conforme cada um era, e em que o factor que os unia era o próprio Senhor Jesus.
Diversidade nas igrejas
Falemos agora das diferenças nas igrejas locais. Nas nossas igrejas locais nós temos muitos géneros de diversidade. Há pessoas de raças e etnias diferentes, diferentes níveis de educação, estados civis, idades, entre outras.
A somar a isto, cada um tem sua experiencia de conversão diferente do outro. Uns foram salvos ainda crianças, outros na juventude, em adultos ou na velhice. Tiveram ainda seu próprio percurso de vida, vivendo vidas, uns mais, outros menos, mergulhados no pecado. Outros até tiveram vidas bastante recomendáveis…
Depois disto tudo, temos ainda as pessoas que apesar de confessarem o mesmo Senhor, possuem diferentes convicções doutrinárias, pensam diferente sobre certos assuntos. As suas preferências seja sobre estilos de música, de vestir, de leitura, etc. etc. são diferentes.
Depois de todas estas diferenças podemos perguntar: Como isto pode funcionar?
Como é que um grupo tão diversificado de pessoas pode viver juntos, exercer funções em união e paz?
Por vezes nem sempre isto acontece, mas seria de esperar que acontecesse. Quando não acontece é devido a se olharem às diferenças e não ao FACTOR UNIFICADOR QUE É CRISTO.
QUAIS FORAM AS QUESTÕES E AS DIFERENÇAS QUE FIZERAM COM QUE A ACEITAÇAO FOSSE DIFICIL DE ALCANÇAR NAQUELA IGREJA?
Havia ali 2 campos diferentes entre aquele grupo de crentes.
Paulo escreve: “Um crê que tudo se pode comer, mas o débil come legumes. Um faz diferença entre dia e dia; outro julga iguais todos os dias”
Esta igreja lutava entre diferentes convicções a respeito de comida e de dias.
Uma parte da igreja estava convicta a respeito de não comer certos alimentos e de não fazer certas coisas em determinados dias. Paulo chamou a estes de fracos na fé.
Eram pessoas que ainda tinham problema em confiar na suficiência da obra de Cristo, pensando que ainda era necessário completar essa obra, observando as leis e ordenanças da Lei, com as suas restrições alimentares e observância do sábado e de outros dias santificados.
Do outro lado da trincheira, a outra parte entendia ter liberdade de poder comer qualquer tipo de alimentos e de fazer o que bem entendia, fosse em que dia fosse.
Estes na verdade estavam certos, pois tinham total confiança na obra de Cristo.
Ao que parece toda esta divisão estava ligada com a origem destas pessoas, sendo umas de formação judaica, por isso procuravam manter suas tradições que receberam do judaísmo. Os outros sendo de formação gentílica, mais facilmente se desembaraçaram das suas tradições sentindo-se livres do jugo da Lei, confiavam que Cristo os tinha libertado das ordenanças da Lei.
Passemos às coisas que estes crentes tinham em comum (positivas).
Apesar de haver entre eles diferenças e convicções diferentes, havia também coisas em comum.
Como se percebe no texto, de ambos os lados havia desejo sincero de agradar a Deus. (14:3,13)
O apóstolo Paulo para mediar este conflito e para evitar uma divisão entre eles, diz-lhes isto: “quem distingue dias para o Senhor o faz; e quem come para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e quem não come para o Senhor não come e dá graças a Deus” 14:6
Outra coisa que tinham em comum era o de se criticarem uns aos outros e se desprezarem mantendo-se à distancia.
Podemos muito bem imaginar o que ali se passava, porque hoje em dia existem situações semelhantes.
Podemos imaginar o grupo dos mais fracos acusarem os outros de liberais, de pouco espirituais, mundanos, etc.
Da parte dos fortes, acusavam-se os outros de legalistas e de serem cristãos imaturos, que ainda se mantinham meninos na fé e agarrados à tradição da Lei… etc. etc.
Devido a tudo isto as relações entre eles deterioraram-se, dando um mau testemunho e uma imagem de desunião e de falta de amor fraternal.
CONSELHOS DE PAULO PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA.
Por meio desta carta o apóstolo intervém dando conselhos, dizendo-lhes que acabem com esta situação aceitando-se uns aos outros.
A primeira sugestão é esta: “quem come não despreze o que não come; e o que não come não julgue a quem come, porque Deus o recebeu” 14:3
Entre as várias outras coisas que o apóstolo lhes disse, não vemos que Paulo tenha dito a alguma das partes, para abandonarem suas convicções para ficarem de acordo. (aquilo que geralmente exigimos como condição a quem pensa diferente de nós para que concordemos com eles, é que passem a pensar como nós)
Paulo chegou mesmo a declarar o seu próprio ponto de vista, mas não lhes pediu que eles se pusessem de acordo sobre este assunto. O que ele lhes pediu com veemência, foi que parassem de se criticarem e julgarem uns aos outros.
A pior das coisas que pode acontecer entre os crentes é a crítica e o julgamento. Muitas vezes o mal não está nas diferenças que temos uns dos outros, mas no modo como lidamos com isso.
Paulo lembra-lhes que a responsabilidade de julgar pertence ao próprio Deus, que por isso nós não devemos assumir o papel de Deus em questões que não são da nossa competência, pois que como ele diz: “todos nós havemos de comparecer perante o tribunal de Cristo” 14:10
Nós não devemos erguer barreiras de separação onde nem sequer o próprio Jesus ergueu.
Paulo aconselha-os ainda a que em vez de gastarem energias criticando e julgando seus irmãos, deviam antes promover a paz e edificação na igreja. 14:19
Para concluir.
No cap. 15 na fase de conclusão Paulo diz-lhes: “acolhei-vos uns aos outros como também Cristo nos acolheu”
Esta palavra acolher não é simplesmente ignorar ou ficar indiferente ao outro que é diferente, mas é uma ordem para abraçar recebendo com amizade.
Não se trata de um conceito de mera tolerância, mas de uma genuína adopção do outro como amigo e irmão na fé.
Gostaria de ainda como nota final lembrar o que diz em 14:20 “não destruas a obra de Deus por causa da comida”
Por vezes existem assuntos aos quais damos demasiada importância, que depois vem a causar grande prejuízo à Igreja. Se calhar não temos destruído a obra de Deus por causa da comida, mas talvez possamos estar a destrui-la por coisas ainda mais mesquinhas.
Se nos consideramos ser fortes, não nos devemos afastar dos fracos, para que possam ser beneficiados da nossa boa influencia, e para que não sejamos impedimento de uma coisa muito importante, que é a manifestação da glória de Deus no meio da igreja, porque esse sim, é o primeiro objectivo que Deus espera de nós.
O objectivo de Deus para a Sua Igreja, não é para que se manifeste a glória dos fortes ou dos sábios, mas para que seja manifestada a Sua glória, e isto só será possível quando se consegue criar um mesmo sentimento de uns para com os outros, de estima, consideração e acolhimento em amor. Vivemos num tempo em que as igrejas se debatem com alguns conflitos, não devido a doutrinas heréticas ou de lutas pelo poder, mas devido a não se aceitarem as diferenças dos irmãos.
Isto tem impedido a manifestação da glória de Deus na Sua Igreja.
Por outro lado tem vindo a manifestar-se cada vez mais a glória do homem na Igreja, o que tem tido como consequência a divisão entre os filhos de Deus.
Cada um de nós tem um papel a desempenhar dentro da Igreja de Deus, e que Deus espera que desempenhemos correctamente. Um deles é o de aceitarmos a diferença do nosso irmão, a quem Cristo já aceitou.
Na Igreja vamos ter sempre, pessoas diferentes de nós, seja nas convicções, nas preferências, na personalidade… mas devemos recebe-los como Cristo também já os recebeu.
Se não for possível haver consenso sobre todos os assuntos, que saibamos aceitar as diferenças dos nossos irmãos, e não queiramos reduzir o reino de Deus apenas ás nossas convicções e maneira de pensar, porque o reino de Deus possui uma maior amplitude que não se resume à nossa maneira de ver as coisas.
Que Deus ajude e nos dê graça a cada um de nós, para sermos bons obreiros da sua obra, sabendo como nos comportar na Sua casa, para deste modo a Sua glória seja manifestada na plenitude na Sua Igreja. Amén
Carlos A. Oliveira Setembro 2010 Adaptado do livro: “Andando nos Passos de Jesus”